O motorista do táxi abriu a porta do carro. Dele desceu o homem de smoking branco impecável, lenço prateado ao bolso, calça preta, sapato engraxado brilhando. Antes, havia saído uma mulher de delicada pele achocolatada, vestido vermelho, cabelos castanho crespos, rosto angelical e discreto.
- Nomes, senhor? – perguntou gentilmente o recepcionista.
O homem mostrou discretamente o distintivo.
- Imagino que o Gilmar havia lhe dito que eu viria.
O recepcionista fez um movimento positivo e quase imperceptível com a cabeça. Depois gesticulou com a mão para que o casal adentrasse às portas douradas do hotel.
- Por aqui, Investigador – disse ele.
Eles caminharam pelo tapete vermelho, de braços dado entre os outros convidados, todos em trajes de gala. Das guias e talismãs que ela normalmente ostentava, somente a figa de ouro estava consigo, amarrada em seu pulso direito.
Tomaram o elevador e não tardaram a chegar à cobertura, onde a banda tocava. Apesar do champanhe fartamente servido, o casal foi direto ao bar.
A mulher nem permitiu que seu acompanhante fizesse as honras:
- Vinho Branco, por favor – pediu ela, sentando-se no banco.
- Para o senhor? – perguntou o barman, enquanto servia a mulher.
- Água tônica – disse o Investigador, sentando-se ao lado da mulher e perguntando - acha que será difícil acha-la?
A dama que o acompanhava reagiu com um calafrio, abraçando os ombros. Ela possível ver que estava arrepiada devido a perfeição de sua pele exposta no vestido tomara que caia. Suas feições também se empalideceram.
- Não será trabalho algum! – revelou ela, olhando para o centro do saguão.
Lá estava a mulher que procuravam. De vestido negro, decote amplo entre os seios, cabelos negros longos e lisos, sorriso diabólico nos lábios vermelhos. Falava ao ouvido de outra das convidadas, uma mulher de cabelos cacheados presos e vestido marfim.
Tão logo ela terminou de falar, a jovem cruzou o salão foi até seu noivo, lançando champanhe em seu rosto e começando um escândalo logo abafado pelos organizadores da festa.
- Tem certeza de que é ela? – perguntou o homem.
Sua acompanhante somente mirou-lhe no rosto, com semblante sarcástico de desaprovação. Ela então passou então a sussurrar algo, segurando a figa de ouro em seu pulso direito.
Ele entendeu a deixa.
...
O rapaz levantou-se, deixando seu copo ao balcão, e foi em direção à dama no centro do saguão. Ela bebericava vinho tinto ao invés de champanhe, e sorria enquanto a festa era retomada após o escândalo.
- Ticê? – falou o homem ao pé do ouvido da mulher, chegando por trás dela.
A mulher abriu um sorriso diabólico, porém sutil.
- Posso ajuda-lo? – perguntou ela, virando o rosto sobre o ombro, em direção ao cavalheiro atrás de si.
- Sim. Digamos que eu tenha interesse em alguns de seus jogos...
- Meus jogos? - seu tom era deliberadamente sínico.
- Permita-me apresentar-me...
Ela não permitiu.
- Investigador Natã, da Polícia Civil do Distrito Federal – disse ela, virando-se calmamente para o homem.
Natã estreitou os olhos. Sentiu-se frustrado por não ter o elemento surpresa com o qual pensava contar.
- Mas...eu sempre pensei que seu trabalho era acabar com jogos, Investigador – disse ela, após vistoriar o belo corpo do rapaz diante de si, voltando a olhar-lhe nos olhos enquanto passeava com o dedo indicador pelas bordas da taça de vinho que tomava.
- Alguns de seus jogos são muito mais antigos que o meu trabalho, senhora – respondeu ele, pegando um copo de água tônica do garçom que acabara de passar.
- Hummm...e algum em especial está lhe despertando o interesse? – perguntou a mulher, acariciando suavemente com os dedos o lado do rosto dele, logo abaixo de seus cabelos com brilhantina.
- Sim. Um em especial. Um triângulo amoroso. Que a senhora provocou.
- Talvez tenha de ser mais específico...
A banda tocava. Uma balada. Casais começavam a dançar.
- Um triângulo do qual a senhora tomou parte. E que...digamos assim...deixou um sujeito trovejando de rancor, e um outro com os olhos fumegando de raiva!
Ela disparou uma curtíssima risada. Nada discreta e completamente incompatível com o decoro da festa. Todos olharam para ela, mas, logo em seguida, voltaram às suas conversas.
- Sabe, Investigador Natã...temos algo em comum. Você e eu – ela falava aproximando a boca do ouvido dele, revelando-lhe caninos um pouco mais afiados e protuberantes que o normal.
- E o que é?
Ele imediatamente afastou-se da mulher com um passo para trás, e segurou o lenço antes que ela o retirasse por completo de seu bolso.
- Ademais, eu não quero arrumar problemas com aquela sua amiga, rezando para o Sumé. Ou para Oxalá, como ela prefere. – proferiu a mulher, sorrindo aquele sorriso diabólico.
Natã olhou para trás e viu Luwana, sua acompanhante, compenetrada e mirando-lhes, mas ainda segurando a figa e sussurrando uma reza.
- Se desejar mais algum jogo, meu querido, me procure mais tarde. Em meu quarto...mas usando este lenço! Estarei adornada para ti, e quero que também esteja para mim – ordenou ela - Agora, se me dá licença, vou até aquele Delegado de Polícia ali. Ele tem planos para uma chacina, a fim de incriminar o Titular e tomar o comando da delegacia!
Ticê, segurando a barra da saia, foi em direção ao Delegado, que conversava numa roda de homens, deixando Natã estupefato e afrontado.
...
Contrariado, Natã respirou fundo e retornou ao abr, onde estava Luwana, que já havia soltado a figa e interrompido a reza.
- Então? – perguntou ela.
- Ela é realmente cheia de malícia, de jogos e de encantamentos – disse ele, tomando-a delicadamente pelo braço e retirando-se da festa.
- Conte-me a novidade! – ironizou Luwana.
- Ela marcou comigo...no quarto dela.
- E você vai...agora?
- Não – ele demonstrava estar afoito – antes preciso resolver uma coisa.
- O que??
- Impedir um jogo!
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Ticê, no traço de Natália Duarte |